Wednesday, June 24, 2015

Heresia em Bordeaux? Novas variedades de uvas sendo testadas por lá

Ao que tudo indica, as mudanças climáticas estão causando mais estragos do que se previam e, diante do quadro que se desenha, pesquisadores estão começando a testar novas variedades de uvas que possam vir a integrar os famosos vinhos de Bordeaux, na França. É isso mesmo, caríssimo leitor, num futuro não tão próximo poderemos identificar uvas como a Touriga Nacional (que heresia) em blends de vinhos em Bordeaux.


Durante a safra deste ano, pesquisadores em Bordeaux fermentaram pequenos lotes de vinhos de um vinhedo experimental, onde estão sendo cultivadas 52 variedades de uvas, em grande parte desconhecidas para a região. Seu objetivo será encontrar uvas que possam produzir vinhos ao estilo de Bordeaux quando, ou se, a mudança climática alterar significativamente a estação de crescimento em Bordeaux a um nível que impossibilite o cultivo das castas tradicionais da região. Executado pelo Instituto Nacional Francês de Pesquisa Agrícola (INRA) e apoiado pelo Conselho do Vinho Bordeaux (CIVB), o experimento é tanto quanto ousado e pragmática.

A necessidade nasceu de uma prolongada onda de calor que atingiu a França em 2003. Algumas uvas em Bordeaux pareciam cozinhar na videira, marcando muitos vinhos da safra com aromas de fruta madura, baixa acidez e uma menor capacidade de envelhecer saudavelmente me garrafa. Se o clima de Bordeaux continuar na direção que os dados mostram atualmente, os viticultores podem esperar cada vez mais invernos tempestuosos e molhados e verões quentes e secos, bem como colheitas que chegam antes da janela ideal que oferecia frutos maduros, acidez fresca e taninos maduros. As variedades com amadurecimento mais precoce como Merlot e Sauvignon Blanc são particularmente vulneráveis, mas todas as uvas usadas atualmente para os vinhos de denominação oficiais poderiam ser substituídas em um verão mais seco e quente.

Os pesquisadores vasculharam as regiões vinícolas mais quentes no globo como a Grécia, Espanha, Itália e Portugal, selecionaram as 52 candidatas e plantaram-nas em 2009 em um vinhedo experimental na denominação Pessac Leognan. Muitas das uvas estrangeiras vão soar familiares para enófilos em geral como por exemplo Sangiovese, Touriga Nacional, Xinomavro e Assyrtiko, para citar algumas delas que são estrelas em seu terroir de origem, mas estranhas para Bordeaux. Uma parte do desafio será aprender a retirar o melhor proveito dessas uvas em um novo clima/região.

Desde 2012, os pesquisadores vem reunindo dados sobre os níveis de fenóis nas uvas e a fase de amadurecimento para cada variedade. Cerca de 20 variedades foram selecionadas pela micro-fermentação deste ano em lotes single vineyard de 30 kg de uvas cada. A equipe de pesquisadores irá analisar os vinhos acabados. Em seguida, os sindicatos de viticultores para as muitas denominações de Bordeaux vão analisar os dados e escolher um punhado de castas que eles acreditam que possam produzir vinhos com características típicas de sua denominação. As denominações pedirão então para que alguns produtores, voluntariamente, cultivem tais castas experimentais, sabendo que os frutos não poderão ser usados para os vinhos AOC. Eles poderão ser vendidos como Vin de France.

Vale ressaltar que, fundamental para o projeto é o objetivo da manutenção, em vez da mudança, do perfil típico dos vinhos de Bordeaux. O Bordelais julga um vinho pela sua capacidade de envelhecer graciosamente, mesmo que o consumidor em geral não mantem seus vinhos guardados por longos períodos. Entretanto, esta é uma marca de qualidade enraizada na psique Bordelais.

Depois, há o sistema de denominações de origem francesa, regulamentada pelo Institut national de l'origine et de la qualité (INAO). O status de Appellation é concedido quando um vinho pode provar que tem uma qualidade única amarrado a um lugar específico. O cronograma para a introdução de uma nova uva nas regras de uma denominação de origem é longo. "É necessário analisar os resultados, prosseguir com os testes comerciais, e através de uma organização que faz o teste de degustação, justificar a manutenção da tipicidade dos seus vinhos. E, finalmente, eles devem participar do processo de regulamentação.

Apesar dos desafios, as pesquisas continuam, pois poderia salvar tanto uma região de vinhos e uma indústria que produz entre 600 e 800 milhões de garrafas de vinho por ano, embarcados para mais de cem países diferentes.



Matéria original em www.winespectator.com

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