Thursday, August 18, 2011

O paladar preconceituoso no mundo do vinho

Matt Kramer nos brinda com um novo editorial discutindo agora os preconceitos que existem no mundo vinícola, e que não são poucos. Evidentemente que ao adaptarmos o artigo para o nosso mercado, podemos ver algumas coisas meio fora de sintonia. E podemos também incluir algumas coisas mais. Mas a verdade é que sempre exisitiram alguns "dogmas"no mundo do vinho e que permanecem pouco ou quase nada inalterados nos dias de hoje. Leiam o artigo (traduzido e adaptado por mim) e depois poderemos discutir sobre o tema, dizendo quais seriam, na sua opinião, os temas que mais sofrem preconceito no tocante ao mercado vinícola brasileiro. Espero vocês!

Estariam todos cada vez mais tendenciosos quando nos referimos a vinhos hoje em dia?

Tudo começou com um almoço que tive com um vinicultor. Basta dizer que este homem não era californiano. Ele era um cara afável, inteligente e faz vinhos muito bons. A conversa foi em torno da Pinot Noir. "Eu não gosto dos Pinot Noir californianos", ele declarou. Fiquei um pouco surpreso quando ouvi isso. Descartar todos os Pinot Noirs da Califórnia de uma só vez é um pouco demais. Vamos ser realistas: é um preconceito. E não é a primeira vez que eu ouvi esse tipo de preconceito em particular. Perdi a conta do número de vezes que eu ouvi viticultores oriundos de Oregon ou apreciadores de Pinot Noirs de Oregon ser igualmente desprezíveis, declarando (sem cerimonia) que os Pinot Noirs da Califórnia simplesmente não são a "coisa real." Felizmente, eu fui capaz de fazer tal vinicultor engolir suas palavras, por assim dizer, depois de perceber um Peay Vineyards Pinot Noir 2008 na carta de vinhos. Nós pedimos este vinho e ele descobriu em um só gole que o vinho era tudo o que ele tinha certeza que um Pinot Noir californiano não poderia ser: delicado, perfumado e até mesmo etéreo. Termos como "Chambolle-Musigny" e "Volnay" simplesmente pairavam no ar.


Agora, há uma série de Pinot Noirs californianos que não são para o meu gosto pessoal, muito alcoólicos, muito extraídos, muito uso de carvalho e também voluptuosamente excessivos. Tenho certeza que você pode elaborar sua própria lista facilmente.


Um bom vinho sempre causou divisões. Por exemplo, existe há muito tempo uma tensão entre aqueles que encontram um maior mérito em Bordeaux sobre Borgonha e vice-versa. Nada de novo lá. Tem sido assim por séculos. Mas atualmente num mundo vinícola completamente novo deveríamos ter passado desta fase, certo? Aparentemente não. A existência, ainda hoje, de um paladar preconceituoso é surpreendente. Nós deveríamos ter passado por todos estes antiquados esnobismos uma vez que o vinho se tornou mais "normal", lembra-se?


Apesar de inúmeras iterações da famosa Prova de Paris em 1976 (com quase todos resultados replicando o original), um número surpreendente de pessoas não consegue assimilar em seus cérebros (não importa seu paladar) o fato indiscutível que a Califórnia pode criar um baita Cabernet Sauvignon. Mas o paladar preconceituoso não pára por aí. Quantas vezes você já ouviu alguém dizer que ele ou ela não gosta de vinhos italianos? Qualquer vinho italiano. "Eu não gosto de vinhos italianos," eles começam. "Eles são muito ácidos, tânicos, muito estranhos. Simplesmente não me agradam." A lista continua. Por exemplo, quantas vezes você já ouviu vinhos alemães classificados como "muito doces"? Ou Cabernet Francs descartados como excessivamente "verdes" ou "vegetais?". O que é ainda mais surpreendente é a forma como muitas vezes se ouve profissionais do vinho dizerem tais coisas.

Existe então uma parte mais bizarra deste preconceito onde o paladar das pessoas é ridicularizado. Você se importaria de me dar um dólar para cada vez que você tenha ouvido alguém dizer que um degustador tem um "estilo californiano de paladar”? Eu não penso assim. "O preconceito hoje assumiu uma coloração diferente, mais comum para os fãs raivosos de esportes. As pessoas agora torcem a favor ou contra uma ou outra variedade de uva ou região vinícola."


Existe um "paladar Costa Leste"? Já ouvi muitas viticultores da Califórnia afirmarem que existe e que seus vinhos são sujeitos a um preconceito eurocêntrico, por causa de tais "paladares Costa Leste." Será que eles existem? Você me diz, especialmente se você for da Costa Leste. Agora, muito desta discussão é apenas uma abreviação. Mas não se enganem, o paladar preconceituoso existe. Na verdade prospera de uma maneira e em um grau nunca antes visto.


Antigamente -o que quer dizer, 20 ou 30 anos atrás - só os vinhos europeus eram bons. Todo o resto era para consumo "doméstico". Já houve um termo mais desprezível? Felizmente, nós não ouvimos mais esse termo, que é uma medida de quão longe chegamos. Graças a Deus (e do falecido Robert Mondavi) por isso. Seria isto algo tão terrível assim? Provavelmente não, mas pode ter um efeito inibidor. Muitas variedades de uva ainda são vistas como "menores" como a Gamay Noir, Muscat, Lambrusco, Noir Baco, Zweigelt e toda uma lista de outras variedades que são pouco ou quase nunca respeitadas, nunca atingindo um preço adequado. E que, por sua vez, faz com que os produtores fiquem menos dispostos a produzir ou celebrar tais vinhos.


Aqui, o paladar preconceituoso se faz sentir. Amantes da Pinot Noir, por exemplo, muitas vezes olham com desprezo para a Gamay Noir, assim como fazem muitos produtores de Pinot Noir. As melhor as áreas de Pinot Noir na América do Norte poderiam criar Gamays soberbos. Mas há um preconceito contra ele. Idem para a Pinot Blanc vs. Chardonnay. Claro, o mercado tem um papel poderoso. Mas o preconceito o alimenta ainda mais.


A questão aqui não é uma obrigação de amar ou tratar tudo de maneira não crítica. Em vez disso, a questão é um novo tipo de "dispensar" que substituiu o esnobismo de tempos atrás com uma pitadinha do escárnio de “A Laranja Mecânica”. Estamos vendo isso com o desprezo aos vinhos australianos, por exemplo. Não se importa de me entregar outro dolar para cada vez que você ouviu alguém desprezar vinhos tintos australianos os chamando de grandes, brutais, excessivamente extraídos, com excesso de carvalho e exagerados? Claro, esses vinhos existem. Demais, mesmo. Mas há mais nos vinhos australianos do que esse preconceito admite.

Cada vez mais estamos vendo os efeitos do preconceito, podem chamá-lo de uma ignorância maligna se preferir, moldando o que está sendo cultivado, o que está sendo oferecido e o que está sendo elogiado. Ou não. O fato é que o preconceito está se infiltrando no discurso vinícola nos dias de hoje. Você não acha? Ou estou imaginando algo que é apenas uma idéia de "boa diversão” para outras pessoas?


Até o próximo!

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